A História do Famicom ou Nintendo 8 bits

Era o ano de 1983! A indústria norte americana dos vídeo games passava por um terrível crash. Mais no Japão estava surgindo uma singela máquina que contribuiria muito para a história dos vídeo games. 

Os primeiros anos da década de 1980 trouxe grandes novidades no campo da tecnologia. Foi nesse período que surgiram os mouses de computador, as câmeras de vídeo em VHS, os caixas eletrônicos e os Compact Discs. O Walkman foi lançado em 1980 pela Sony, e a câmera instantânea da Polaroid chegou ao mercado em 1981. Os computadores pessoais começam a ganhar popularidade, com o Apple Lisa, e IBM 5150 entrando na casa das pessoas. No Brasil, os moradores de cidades grandes como Rio de Janeiro e São Paulo faziam compras em lojas de departamentos como Mesbla e Mappim. Crianças mascavam chicletes de marcas como Ploc e Ping Pong e chupavam as perigosas balas Soft. 

Crash na Indústria

Sabemos também que essa é a época em que a indústria de videogames passava por um terrível crash, levando a falta de confiança no mercado ao nível máximo. Erros por parte da empresa Atari, com a publicação de jogos de baixa qualidade para seu VCS 2600, a falta de um alto padrão para os jogos e a concorrência com os computadores pessoais levaram a indústria a iniciar uma debandada do negócio dos videogames. 

No Japão, entretanto, o mercado dos aparelhos que tornavam os televisores interativos, estava amplamente aberto. O Cassette Vision era até então o videogame mais vendido em terras nipônicas. Mas estava surgindo uma singela máquina que iria inaugurar a 3ª geração de consoles domésticos, e contribuiria muito para a história dos videogames. Essa máquina se tornaria sinônimo de jogos eletrônicos no mundo inteiro.  

Foi em 15 de julho de 1983 que o sistema de videogame Family Computer ou simplesmente Famicom foi lançado no Japão, o console de 8 bits da Nintendo que revolucionaria a até então abalada indústria mundial de vídeogames! 

Ficha do Nintendo 8 bits:

O Nintendo Entertainment System

Famicom ou Family Computer modelo Japonês do 8 bits, com controles encaixados na lateral.

Revolucionário controle modelo japonês, com o direcional já utilizado em game e Watch. Curiosidades: a versão japonesa do controle do NES, no player 2 vinha com microfone e botão de volume.

Após uma série de sucessos em jogos de arcade no início dos anos 1980, como Donkey Kong, a Nintendo do Japão passou a trabalhar no desenvolvimento de um sistema caseiro. A empresa tinha planos de lançar um poderoso console de 16 bits no mercado japonês em 1983, apostando alto no mercado dos videogames. Masayuki Uemura, então funcionário da Nintendo, trabalhava no sistema. No entanto, o projeto tornou-se caro demais para a realidade da época, e os planos foram refeitos, agora para uma arquitetura de sistema com processador 8 bits.

O codinome do projeto secreto foi chamado "GameCom", sem ter ainda um nome oficial para a máquina em desenvolvimento. Então, a esposa de Uemura, ao saber no que seu marido estava trabalhando, tomou a liberdade de propor um nome para o console de videogame. Ele se chamaria "Famicom" ou Family Computer, o computador da família. Uemura gostou do nome, e considerou usá-lo. Enquanto isso, em outro departamento de desenvolvimento da Nintendo do Japão, Hiroshi Yamauchi, então presidente, decidiu que o console deveria usar as cores vermelho e branco na sua carcaça. Ele tomou essa decisão depois de ver um outdoor da DX Antenna, um fabricante de antenas japonês, que usava essas cores.

Lançamento Family Computer

Assim, em 15 de julho de 1983 nascia no Japão o console de videogame de 3º geração Home Cassette-type Video Game: Family Computer, o console de 8 bits que revolucionaria a até então abalada indústria de videogames!  O aparelho custava ¥ 14.800 ienes no seu lançamento, com três portes de jogos de arcade da Nintendo disponíveis: Donkey Kong, Donkey Kong Jr., e Popeye. O Famicom demoraria para obter sucesso no Japão. Um conjunto de chips com defeito causou o travamento dos primeiros lotes. Após um recall do produto e uma reedição com uma nova placa -mãe, a popularidade do Famicom disparou, tornando-se o console de jogos mais vendido no Japão no final de 1984. Mais tarde receberia muitos jogos que se tornaram verdadeiros clássicos, e inauguraram franquias queridas pelo público até hoje, como Super Mario Bros, The Legend of Zelda, Metroid, Megaman, Kirby, Ninja Gaiden, Micro Machines entre muitos outros. 

O lançamento do modelo americano foi feito em dois bundles diferentes: Action Set e Deluxe Set com 50 mil unidades disponibilizadas no seu lançamento.

Controle NES americano com o novo direcional em formato de cruz desenvolvido por Gumpei Yokoi

Outros Dados Técnicos do Console

A Nintendo tinha planos de lançar um poderoso console de 16 bits, no entanto o projeto tornou-se caro para a realidade da época, e assim os planos foram refeitos, e o Family Computer foi lançado com um processador de 8 bits. Desenvolvido pela Ricoh, arquitetura MOS 6502 e sistema de áudio customizado, o Famicon destacou-se em meio a 3ª geração de vídeo games. Com memória RAM principal de 2KiB e memória de ROM de até 48 KiB, uma paleta de 48 cores, e até 25 cores na tela em uma varredura. Sprites suportados pelo hardware no máximo de 64 (sem recarregar os sprites do meio da tela). Tamanho dos sprites: 8 × 8 ou 8 × 16 pixels. Resolução de 256 × 240 pixels, embora na maioria dos jogos NTSC a resolução fosse de 256 × 224.

A Nintendo então começa a fazer testes na cidade de Nova Iorque, para vender o "NES" em seu novo mercado. Os varejistas estavam tão céticos em relação aos videogames que a Nintendo teve de concordar em recomprar tudo que não fosse vendido pelas lojas. Assim, em 18 de outubro de 1985, o Nintendo Entertainment System era lançado no mercado Norte Americano. Para vender o console em lojas não amigáveis aos videogames, a empresa também inventou um robô, o R.O.B, transformando assim o NES em um pacote de jogos de robô.

NES americano:

Foi em 1984 que a Nintendo anunciou ao mercado ocidental o recém chegado console durante a Consumer Eletronic Show. Muitos ficaram interessados na novidade. Assim em 1985, na CES, com seu novo nome NES ou Nintendo Entertainment System apareceu completamente redesenhado para o novo mercado. 

O Nintendinho como ficou conhecido no Brasil, ou NES (Nintendo Entertainment System) recebeu vários jogos de destaque, incluindo alguns dos ícones dos vídeo games, como o primeiro Super Mario Bros de 1985, A Lenda de Zelda, criado em 1986 por Shigeru Miyamoto e Takashi Tezuka, Metroid, Excitebyke, Kid Icarus, Rockman, Super Mario Bros 2 e 3, Super Mario Bros - Os Níveis Perdidos, Tartarugas Ninjas: The Arcade Game, Ninja Gaiden, Micro Machines entre muitos outros.  

Os jogos mais vendidos do Nintendinho:

Nos EUA, o Famicom recebeu uma nova roupagem, mais moderna e sofisticada, com objetivo de agradar os padrões norte americanos. Com o slot de cartuchos na horizontal, e uma tampa na parte frontal com sistema de abre fecha, o modelo tornou-se um clássico dos anos 80, na cor cinza e preto, com palavras estilizadas na cor vermelha. 

Revista Nintendo Power de janeiro de 1991

A revista Nintendo Power teve seu lançamento em agosto de 1988, sendo um canal oficial da Big N, senso a princípio publicada mensalmente. Sua produção durou 24 anos, sendo descontinuada em dezembro de 2012, retornando em 2017 como um podcast.

Nintendo Power Issue 020 January 1991.pdf

Super Mario Bros de 1985, recordista em vendas do NES com mais de 40 milhões de unidades.

O jogo estrelado por Mario e Luigi, acabou por definir o gênero de plataforma, tendo mais de 30 fases repletas de muita ação, belos cenários, inimigos desafiadores e muita emoção ao derrotar Copa e salvar a princesa. Foi o game mais vendido do console, com mais de 40 milhões de cópias, isso em parte pelo fato de ser vendido juntamente na caixa.

O Nintendo Entertainment System

O Nintendo Entertainment System

Lançamento no Mercado Brasileiro

Na primeira metade da década de 1980, videogames ainda eram uma novidade no Brasil. Passando por um período de recessão e pobreza generalizada, comprar um console por aqui era um grande desafio. Com o sucesso do sistema de 2º geração, Atari 2600, montado pela marca brasileira Polyvox, além de seus diversos clones, cada vez mais famílias brasileiras tinham interesse em adquirir a máquina de jogos eletrônicos que transforma o televisor em um aparelho interativo. 


NOVOS SISTEMAS  CHEGANDO

Mas, é claro que as novidades lá de fora, aos poucos, começam a aparecer em território nacional, como os novos sistemas de 3º geração. Alguns brasileiros, que dispunham da oportunidade de viajar a países estrangeiros, experimentaram os novos consoles em lugares como Estados Unidos e Japão, e trouxeram algumas amostras. Rapidamente, imitações desses aparelhos começam a aparecer. Assim, em 1988 é lançado aquele que se tornaria um dos primeiros e mais famosos clones do NES no Brasil: o Phantom System. Com um hardware de NES adaptado em uma carcaça de Atari 7800, e controle com designer do Mega Drive, o Phantom era produzido e comercializado pela Gradiente, empresa brasileira muito conhecida na época por seus aparelhos de som de alta qualidade. 


PHANTOM SYSTEM

Antes do Phantom System, a Gradiente possuía o interesse em vender o console Atari 7800 no Brasil. Por muito pouco a empresa não comercializou o já defasado sistema sucessor do Atari 2600. Então, o que deu errado?  Em uma viagem aos Estados Unidos para assinar e firmar o acordo para produção do 7800, os executivos da Gradiente viram que a antes poderosa Atari, agora já era um passado distante no mercado americano. Já um tal Nintendo e seus jogos Mario Bros. estavam na boca das pessoas, sendo vendidos por toda parte. Mas agora a Gradiente já havia chegado a produzir a carcaça do 7800, desde o momento da apresentação do console até a viagem para fechar acordo, sem contudo fazer seu lançamento. Então a Gradiente aproveita-se dessa nova perspectiva e do desinteresse da Nintendo em lançar seus produtos no Brasil, e passa a produzir um clone do NES com as carcaças já disponíveis. Devido o controle do Atari 7800 possuir apenas dois botões, a Gradiente optou por produzir um controle baseado no recém apresentado Mega Drive. É isso mesmo. A decisão da marca brasileira mostrou-se muito acertada, pois o clone do NES, Phantom System tornou-se um grande sucesso por aqui! 

O Clone de NES Top Game da CCE

O Clone de NES - Top Game da CCE

SURGIMENTO DOS CLONES

Com as ótimas vendas, não demora para surgirem no mercado brasileiro muitos outros sistemas que clonavam o hardware do Nintendo 8 bits padrão americano de 72 pinos ou japonês, com 60 pinos. E foi assim, bem antes do lançamento do NES original no Brasil, o nintendinho já estava bem presente por aqui. Os engenheiros de eletrônicos dos anos 80 e 90 foram responsáveis por, com o uso de engenharia reversa, e muita criatividade, permitir que o público brasileiro tivesse acesso à 3º geração de consoles domésticos, que naquele momento invadiam as salas de estar dos Estados Unidos e Europa, mas ainda demoraria para chegar no Brasil. Entre outros exemplos de clones do nintendinho, que ficaram conhecidos como Famiclones, estão o Dynavision da Dynacom, lançado em 1989, o Bit System da Dismac, do mesmo ano e Top Game VG 9000 e Turbo Game, produzidos pela CCE em 1990 e 1991. Mas então, afinal, quando o verdadeiro sistema Nintendo 8 bits chegaria por aqui?


RESERVA DE MERCADO

Desde o ano de 1984, a Lei Federal nº 7.232, que ficou conhecida como Lei de Reserva de Mercado, impedia que empresas de tecnologia estrangeiras atendessem a população brasileira com produtos importados ou que se instalassem no Brasil. Essa lei, no entanto, acabou por engessar o desenvolvimento econômico do país, e favoreceu a pirataria de hardware e software. Essa política duraria até o ano de 1991, quando os videogames copiados de projetos estrangeiros já são bem conhecidos por aqui. Agora, a crescente demanda, leva muitas empresas focadas em produtos eletrônicos a se interessar na fabricação de consoles. É por essa época que a já experiente Gradiente inicia suas negociações com a Nintendo of America para montar consoles com a marca Nintendo no Brasil. Mas essa não seria uma tarefa fácil. Será que ela conseguiria encarar sozinha? 

Em 1993, após diversas negociações, nasce uma joint venture chamada Playtronic. Fruto da parceria entre duas consagradas empresas nacionais: a Gradiente e a Estrela. Eugênio Staub, então presidente da Gradiente, e Mario Arthur Adler, responsável pela marca Estrela, se unem neste investimento de aproximadamente 3 milhão de reais, na época uma quantidade considerável de dinheiro. Essa união, enfim, levou a um anúncio memorável no início de 1993: 


ANÚNCIO

"Agora é pra valer. Os videomaníacos vão poder comprar produtos Nintendo 'made in Brazil'' ', celebrou a matéria publicada em 18 de março de 1993 na Folha de S.Paulo.

É isso mesmo. Agora os produtos da marca Nintendo estariam oficialmente no Brasil. Diversas revistas cobriram essa empolgante notícia. A Ação Games de Abril de 1993, edição nº 33 noticiou a criação da Playtronic como a primeira empresa no mundo a fabricar os produtos Nintendo fora do Japão, com suporte técnico, transferência de tecnologia e lançamentos simultâneos com o mercado norte americano. A Game Power, revista que na época era dedicada a produtos Nintendo, também trouxe a notícia na sua edição de maio de 1993. 


INÍCIO DA PRODUÇÃO

Alguns meses depois desse anúncio, a Playtronic inicia suas linhas de montagem na Zona Franca de Manaus, com a fabricação de consoles como o Super Nintendo, carro chefe da empresa, o já bem conhecido nintendinho e Game Boy, além de cartuchos ROM. Por aqui, o pacote Action Set, o modelo NES americano, foi lançado com o cartucho de Super Mario Bros. 3 embalado na caixa, custando em torno do que seria nos valores atuais R$ 1.250,00 reais. Depois disso, alguns outros pacotes promocionais seriam feitos, em conjunto com outros jogos. O NES vendeu pouco, na sombra de seu sucessor, o 16 bits Super Nintendo, que recebeu mais atenção, logicamente pelo atraso no seu lançamento nacional, quando o 8 bits já estava saindo de cena. Mesmo assim, muitos meninos e meninas experimentaram o NES original Playtronic. 


CONCLUSÃO

O nintendinho, como ficou conhecido por aqui, tornou-se uma plataforma de videogame extremamente popular, com milhares de hardwares e softwares vendidos. Possivelmente uma das plataformas mais populares em território nacional de todos os tempos. Se você viveu na primeira metade dos anos 1990, possivelmente tenha lembranças de crianças e adolescentes frequentando locadoras de vídeo game. Elas se amontoavam nos balcões para levar alguns cartuchos para jogar em casa. Esse foi o início da era áurea das game locadoras no Brasil. Então é isso pessoal. E fica uma pergunta. Qual você acha que foi a plataforma de videogame mais popular no Brasil até hoje? Muito obrigado por ler esse artigo.

14/12/2023

Marcos Schade