A História do Super Famicom/Super NES, o 16 bits da Nintendo, Parte 2
Como vimos no primeiro episódio da série “Lançamento do Super Nintendo”, duas empresas japonesas se preparavam para tomar de assalto a liderança da 4º geração de videogames, que ficaria conhecida como geração dos 16 bits. Sega e NEC lançam seus sistemas para concorrer com a Nintendo, em antecipação no mercado norte americano, onde sua vantagem é aparentemente inalcançável. Agora vamos ver como a Sega despontou na nova geração com uma vantagem inesperada, forçando a Big N a revelar seu super system antes do programado.
Competição! Era exatamente disso que a Nintendo e a indústria de videogames precisavam naquele momento. A Nintendo dificilmente reconheceria isso. O que acontece sem competição? Qualquer indústria fracassa quando não há concorrência. Um exemplo disso é a indústria automobilística americana. Com 181 empresas automobilísticas trabalhando no começo do século 20, ela floresceu; mas logo sucumbiria, engolida por Três Grandes marcas que formaram um pequeno clube, diminuindo a concorrência da indústria automobilística americana. A competição mantém a inovação avançando; não havia tempo a perder, não havia espaço para estagnação. A Nintendo, no entanto, manteve sua postura arrogante. "Nós ouvimos nossos jogadores", disse Bill White à imprensa. "Eles nos dizem que estão extremamente satisfeitos com o sistema existente e totalmente envolvidos com os jogos. Além disso, ainda não chegamos ao limite de nosso sistema de 8 bits." Essa atitude orgulhosa e convencida impediu a Nintendo de dar seus primeiros passos na disputa pelo mercado dos 16 bits prontamente.
Em parte, esse orgulho foi justificado, motivado pelo próprio mercado que reforçou a confiança da Nintendo. Durante os dois primeiros anos do sistema Gênesis, a Nintendo vendeu 18 milhões de sistemas de 8 bits nos Estados Unidos. Os argumentos da Sega para seu novo sistema ainda não eram suficientemente convincentes. Os primeiros jogos do Genesis, mesmo os portes dos sucessos do fliperama, não eram tão divertidos quanto os melhores jogos da Nintendo. Em muitos casos, os programadores da Sega estavam tão empenhados em explorar as possibilidades de gráficos detalhados e som empolgante que se esqueceram do que mais importava: sua jogabilidade e diversão.
A empresa gastou muitos milhões para assinar com astros, um deles Michael Jackson, ele mesmo um fanático por videogames, um contrato para co-desenvolver o jogo "Moonwalker", baseado em seu álbum Bad, um campeão de vendas. Jackson trabalhou com Al Nilsen, da Sega, que dirigia o marketing da operação americana de videogames, para criar o enredo para um jogo. Os programadores da Sega o criaram e Jackson ajudou a ajustar seus recursos. A trama recriou vagamente o vídeo Moonwalker, no qual Jackson faz aquilo que é sua marca registrada: sua dança. E enquanto isso, salva alguns de seus jovens amigos.
O produto final teve notáveis toques visuais e sonoros. O rosto e os movimentos de dança do superstar foram digitalizados; recriações eletrônicas de algumas canções do álbum foram produzidas, bem como a voz digitalizada de Jackson. Quando ele dançava nas teclas do piano, o piano "tocava".
Quando o jogo foi lançado, a Sega vendeu um bom número de sistemas Gênesis por causa do nome Jackson e de sua aparência de última geração. Contudo, no final, "Moonwalker" tinha uma falha fatal: era repetitivo e chato. A tecnologia do jogo não era um substituto à altura para a substância do jogo, isto é: diversão e jogabilidade.
O Gênesis continuou a fracassar em seus primeiros anos no mercado, embora a Sega mostrasse uma grande determinação. Ela vendia máquinas para qualquer um que pudesse, principalmente para meninos mais velhos que eram fanáticos por videogames. Eles eram os garotos que insistiam e poderiam ter o NES e a máquina de ponta da Sega. Com o passar dos meses, a Sega começou a notar o que estava errado. Ela compreendeu que precisava de jogos melhores. Mais e mais sistemas foram vendidos - cem mil aqui, cem mil ali. Os garotos mais espertos exaltavam as virtudes dos 16 bits e zombavam dos idiotas que ainda jogavam Nintendo. O resultado foi que a Sega começou a incorporar uma imagem de moderno e legal ao seu sistema. A Nintendo da América encomendou um estudo que confirmou isso: crianças e meninas mais novas gostavam da Nintendo, mas os formadores de opinião no mundo dos videogames, os jovens adolescentes, estavam falando do Gênesis.
A Sega aproveitou o burburinho crescente, aprendendo com a experiência de Michael Jackson e fazendo acordos de licenciamento que produziram jogos de alto perfil que também eram desafiadores e divertidos. Trabalhando com celebridades esportivas como Arnold Palmer e Tommy Lasorda, os designers da Sega descobriram maneiras de aproveitar os 16 bits do Gênesis para jogos "mais profundos" e complexos. Os jogos resultantes foram superiores aos do NES. Joe Montana assinou contrato por US $ 8 milhões de dólares, e a Sega lançou um ótimo jogo de futebol americano. Jogos esportivos e portes dos fliperama continuaram sendo os pontos fortes da Sega. No entanto, de modo geral, seus designers criaram jogos de ótima aparência - melhores do que qualquer outro já visto até então - mas faltava uma jogabilidade excelente. Exemplos foram aqueles que saíram do acordo de licenciamento da Sega com a Disney, como "Fantasia" e "Castle of Illusion", ambos com Mickey Mouse. Em "Castle of Illusion", a expressividade no rosto de Mickey estabeleceu um novo padrão para os videogames. No entanto, ainda faltava alguma coisa. A Sega precisava do que Hiroshi Yamauchi havia encontrado a muito tempo, o ativo individual mais importante de uma empresa de videogames: "um verdadeiro gênio". Precisava de um Shigeru Miyamoto ou de um Alexey Pajitnov.
Empresas de software assinaram com a Sega licenciamentos muito mais liberais que a camisa de força da Nintendo, embora muitos licenciados da Nintendo temerem represálias. A Electronic Arts assumiu o risco, apostando (com sucesso, ao que parecia) na tecnologia da Sega, e algumas outras empresas de software foram para a Sega porque não tinham nada a perder. A Tengen, por exemplo, fora do negócio da Nintendo, desenvolveu uma série de jogos para o Gênesis.
A cada nova softhouse convertida, a Sega era cada vez mais legitimada. Alimentada por jogos lançados por desenvolvedores terceiros, a lista de softwares para o Genesis crescia ainda mais - eram bons jogos, com certeza, mas nenhum "Super Mario Bros." As vendas do hardware Genesis também cresceram, de modo que, em meados de 1991, havia bem mais de 1 milhão em uso. Até então, a Nintendo Of America havia vendido 31,7 milhões de unidades do seu NES nos Estados Unidos, mas a Sega havia se estabelecido como líder de mercado da próxima geração. A poderosa Nintendo, que havia anunciado que só entraria no mercado de 16 bits quando estivesse pronta, começava a ficar em desvantagem.
Enquanto isso, no Japão, Hiroshi Yamauchi tinha um sistema de 16 bits em desenvolvimento há anos. Masayuki Uemura, encarregado do projeto ultrassecreto, vinha experimentando um hardware que deveria se tornar a próxima geração do Famicom-NES, desde o final dos anos 1980. Yamauchi deixou as especificações técnicas para os engenheiros, e insistiu que sua empresa deveria estar pronta para entrar no mercado de 16 bits em meados de 1990. No entanto, não havia urgência, o NES estava voando tão alto que a Nintendo não sentiu pressão para correr.
Uma questão que Yamauchi trouxe aos engenheiros, foi considerar a compatibilidade do novo sistema com as centenas de milhões de jogos do NES em circulação. Ele não queria que o novo hardware tornasse os jogos antigos obsoletos. Yamauchi previa uma reação contra a Nintendo, principalmente dos pais, se sua nova máquina não pudesse rodar as bibliotecas de jogos comprados para sua máquina de 8 bits.
Uemura planejou muitas novidades tecnológicas para seu projeto do novo Super Family Computer, mas a retrocompatibilidade não era uma delas. O custo teria sido alto demais - pelo menos $ 75 dólares teriam de ser adicionados ao preço de cada unidade. Uemura descobriu que um grande salto na tecnologia era, quase por definição, incompatível com a tecnologia antiga.
Arakawa e Yamauchi discutiram o problema e decidiram que poderiam lidar com a reação gerada pela falta de compatibilidade. Afinal, os consumidores estavam comprando CD players, embora a nova tecnologia não fosse compatível com suas bibliotecas de fitas e discos. Arakawa insistiu que os clientes de videogame fariam o mesmo.
Uemura foi mais bem sucedido no trabalho com outros recursos para o novo sistema. Ao redor do processador central havia chips especiais para som e gráficos, e vídeo de altíssima resolução. O novo Super Famicom poderia gerar muito mais cores, com paleta de 32.768, do que as 512 do Genesis, muitas delas quase indistinguíveis (especialmente na maioria das televisões mais antigas). Isso seria importante quando os videogames começaram a incorporar filmagens reais. Havia também um coprocessador matemático que permitia ao hardware fazer parte do trabalho normalmente feito pela programação e facilitaria a criação de jogos para o novo sistema. Como o Genesis, o Super NES poderia exibir várias camadas de fundos para criar a ilusão de três dimensões. Ele também tinha a capacidade de girar e mover grandes objetos na tela, e muitas outras coisas poderiam acontecer simultaneamente em um jogo. Ele também tinha outro recurso importante: uma versão aprimorada do chip de segurança patenteado da Nintendo.
A versão japonesa do Super sistema foi feita para se parecer um pouco com o Famicom original, mas Arakawa tinha uma versão diferente projetada para os Estados Unidos. Don James e o designer de produto Lance Barr buscaram um equilíbrio para que fosse elegante o suficiente - Arakawa disse que tinha que caber perto de um videocassete - e ser acessível. O Genesis estava alojado em uma caixa preta com bordas arredondadas. James e Barr criaram uma caixa cinza mais elegante com ângulos retos. Suas cores representavam as imagens das respectivas máquinas. O Genesis, em preto, era o heavy metal das máquinas de videogame. O SNES, elegantemente decorado em cinza, era comercial e pop.
Como "Super Mario" vendeu o NES e "Tetris" vendeu o Game Boy, Yamauchi e Arakawa tiveram que decidir qual jogo seria usado para estimular as vendas do Super NES. No final, não houve debate. "Super Mario Bros. 3" foi o videogame de maior sucesso da história. O que convenceria mais compradores a desembolsar $ 200 por um novo sistema do que "Super Mario Bros. 4"? Shigeru Miyamoto foi designado para criá-lo.
Após os meses exaustivos de conclusão de "SMB3", a equipe de Miyamoto havia tirado quinze meses de folga para não fazer nada além de conduzir experimentos tecnológicos para explorar os confins do Super Famicom. Ele e sua equipe de trinta pessoas ainda estavam arranhando a superfície dos potenciais da máquina quando lhe pediram para avançar em um jogo que mostrasse as capacidades dos 16 bits e melhorasse o "Super Mario Bros. 3". Foi uma tarefa onerosa, dificultada pela pressão indisfarçável para ter sucesso. "Super Mario Bros. 4", renomeado como "Super Mario World", deveria ser tão bom que não haveria dúvidas quando se tratasse de escolher uma plataforma de 16 bits.
Miyamoto começou a trabalhar para criar algo impressionante além de qualquer outra coisa que ele havia conseguido antes, e alcançou algumas grandes inovações. Ainda assim, quando foi concluído, "Super Mario World" foi decepcionantemente semelhante aos seus antecessores. Mario tinha novas habilidades e o jogo oferecia algumas inovações fascinantes. Houve oportunidades para os jogadores aprimorarem novas habilidades - com fases que lhes ensinaram os novos controles. Para encorajar os jogadores a aproveitar a habilidade de voar de Mario, por exemplo, Miyamoto projetou uma fase sem inimigos onde os jogadores poderiam praticar em um céu cheio de moedas. Cada cem moedas renderiam uma nova vida, então havia muito incentivo para explorar, começar a correr, apertar o botão A e decolar.
Miyamoto também tornou o jogo não linear - um jogador pode retornar a mundos diferentes a qualquer momento - e havia outros toques que pareciam levar a inovações futuras. No entanto, "Super Mario World" não foi uma continuação digna de seu antecessor. "As pessoas ainda não sabem desenvolver software de 16 bits", disse Greg Fischbach na época. "Será revolucionário, mas levará algum tempo para entender." Haveria jogos mais realistas e cheios de emoção por causa dos processadores de 16 bits. Miyamoto diz: "Espere, vou aprender mais sobre os limites desta máquina." Nesse ínterim, "Super Mario World" foi uma decepção, principalmente quando comparado a um novo jogo lançado para o sistema de 16 bits da Sega.
Uma equipe de desenvolvimento liderada pelo produtor Shinobu Toyoda, criou "Sonic the Hedgehog", um jogo com uma criatura fofa que impacientemente batia o pé - quando o jogador demorava muito para agir. A impaciência era a característica essencial de Sonic: ele tinha para onde ir - e rapidamente. Ele dispara, coletando anéis quantos pode encontrar, antes de rolar como uma bola e voar por escorregadores com loops e túneis subterrâneos. A Sega declarou "Sonic" o videogame mais rápido da história. Ele finalmente encontrou seu Mario. "Sonic" era um grande jogo, novo e com frescor, o personagem era agradável, tinha bons gráficos e uma trilha sonora de primeira qualidade. Como tantos jogos, era atormentado pela repetição, mas sem muita concorrência na época, da Nintendo ou de quaisquer licenciados, "Sonic" decolou e vendeu centenas de milhares de sistemas Genesis. O melhor de tudo para a Sega é que "Sonic" estava lá para zombar do lançamento do Super System da Nintendo
Apesar do crescimento da Sega, a Nintendo acreditava que lançaria seu Super system no Japão e na América e acabaria facilmente com o Genesis, juntamente com "Sonic". Ela poderia ter estocado dinheiro (US$ 400 milhões de dólares) e conquistado uma reputação de mais legal que o Mario, pensava ela, mas isso aconteceu apenas porque ainda não entramos nesse campo. Pressionada, então, ela finalmente anunciou planos para lançar sua máquina de 16 bits. O anúncio foi, em grande parte, um aviso aos possíveis compradores do Genesis para não cometerem um erro do qual se arrependeriam.
O lançamento real começou no Japão, onde a expectativa do novo sistema era intensa. No final de outubro de 1990, houve rumores de que o Super Family Computer estava chegando e as lojas foram inundadas com ligações. Assim que Hiroshi Imanishi informou a sua equipe de vendas que uma data de envio estava próxima, algumas lojas começaram a receber pedidos. A loja de departamentos Hankyu em Osaka anunciou que aceitaria "reservas" a partir de 3 de novembro de 1990. Uma semana depois, aceitou mais do que seria capaz de atender e parou de aceitar pedidos. Outras lojas anunciaram sorteios e algumas fizeram com que os clientes pagassem 32.000 ienes (cerca de US$ 200 dólares) pelo sistema, mais "Super Mario World" antecipadamente.
Yamauchi e Imanishi dirigiram conjuntamente a Operação Envio da meia-noite, no Japão, que começou na madrugada de 20 de novembro de 1990. Kenji Takahashi, em seu livro Luz e sombra de uma empresa que ultrapassou a Matsushita e a Sony, descreveu o transporte secreto: " Em uma noite de outono... com o vento soprando pela Bacia de Kyoto, adicionando um frio considerável, um número incomum de caminhões de dez toneladas de grandes dimensões se reuniu em um armazém na cidade. Trabalhadores carregaram silenciosamente os caminhões, que então desapareceram, um por um, na escuridão da cidade adormecida e na rodovia estadual...
"Ao mesmo tempo, outros caminhões partiram de armazéns em todo o Japão. O último caminhão deixou o último armazém ao amanhecer."
Todo o segredo era para evitar roubos, revelou Hiroshi Yamauchi posteriormente. Havia rumores de que uma quadrilha da yakuza planejava sequestrar alguns dos caminhões. Valendo seu peso em ouro, as mercadorias iriam parar nos armazéns da máfia, de onde seriam despachadas para clientes especiais. Temendo vazamentos, os executivos da Nintendo informaram sua equipe sobre os detalhes do Midnight Shipping apenas quando necessário. Da mesma forma, apenas as pessoas-chave que esperavam remessas eram informadas quando os caminhões chegariam. Quando eles apareceram, parcelas cuidadosamente predeterminadas de sistemas e software foram divididas.
Os cem caminhões, cada um carregado com três mil Super Family Computers e caixas dos dois primeiros jogos do Super Famicom, "Super Mario World" e "F-Zero", deixaram sua carga secreta no final do dia vinte. Na manhã seguinte, os gerentes de loja se prepararam para anunciar que a próxima geração da Nintendo havia chegado. Se o grande drama fazia parte do plano de marketing, funcionou. Uma loja de departamentos fechou seu departamento de brinquedos às 11h30. porque temia um motim. Uma pequena loja de brinquedos na rua principal perto da estação de trem Shakujii Koen em Tóquio recebeu apenas seis unidades. “Não dava para atender nem o pedido dos nossos vizinhos e dos filhos dos nossos amigos”, relatou o idoso lojista. "Como teríamos vergonha de recusar nossos amigos, fechamos a loja e colocamos um aviso dizendo que havíamos feito uma viagem."
Trezentos mil Super Famicoms foram entregues naquela noite, embora os pedidos chegassem a 1,5 milhão. Quatro em cada cinco clientes ficaram desapontados, incluindo alguns que pagaram antecipadamente. Foi uma bagunça, embora Hiroshi Yamauchi tenha gostado de ouvir que o suprimento completo acabou no terceiro dia. Um total de 2 milhões de Super Famicoms foram vendidos em seis meses e mais de 4 milhões em um ano.