GUERRA DOS CONSOLES
Se você viveu no início dos anos 90 é bem provável que tenha presenciado a mais fantástica competição já travada na indústria dos videogames.
Assista ao vídeo abaixo!
Um mercado com faturamentos em alta, superando os 20 bilhões de dólares já no início da década, novas desenvolvedoras de hardware, isto é, os sistemas de videogame, e de software, os jogos, queriam abocanhar parte dessa receita. Outras, já experientes, desejavam manter sua hegemonia e sua porção de lucros. Essa disputa pelo mercado de videogames passou de uma competição para uma verdadeira guerra. “A Guerra dos Consoles”. É assim que ficou conhecida a batalha entre Sega e Nintendo na primeira metade dos anos 90. Mas como se desenrolou esse marcante episódio na história dos videogames? É isso que vamos ver em mais um episódio de A história dos videogames!
O NES foi um grande sucesso no mercado Norte Americano
SEGA X NINTENDO
Apesar de existirem diversas outras produtoras de hardware e software no final dos anos 80, nenhuma delas desfrutava de tanto prestígio como as japonesas Sega e Nintendo. Para ser mais exato, a Sega até então não dispunha de grande influência nos consoles domésticos. Seu forte mesmo eram as máquinas e jogos para Arcade, os fliperamas como são conhecidos por aqui. A Nintendo, por outro lado, já estava bem consolidada em seu posto de rainha do mercado de videogames domésticos. E mesmo com toda sua vantagem, a dona de Mario e Zelda viu, durante esse período, sua suposta soberania ser abalada em pouco tempo. Então, embarque na incrível história de disputa pelo mercado mundial de videogames. Vamos reviver alguns dos mais marcantes acontecimentos da indústria nesse período, que moldaram e ditaram o rumo dos acontecimentos até os dias atuais.
Ton Kalinski
O MERCADO
O mercado de consoles de videogame teve seu início em 1972, como já vimos na série Linha do Tempo, aqui no canal História dos Videogames, com o lançamento do primeiro console doméstico da história, o Magnavox Odyssey, desenvolvido por Henry Baer. À medida que mais fabricantes entram no mercado, com novas ideias e tecnologias, os aparelhos começam a se juntar em torno do conceito que ficaria conhecido como “geração”. Cada geração de consoles seria agrupada de acordo com especificações técnicas semelhantes, e que ao mesmo tempo competiam entre si. Desde o ano de 1972, já houveram diversas gerações, nove ao todo, com dois a três fabricantes dominantes controlando o mercado. Por exemplo, na primeira geração de videogames domésticos, os mais proeminentes eram o Atari Pong e o Magnavox Odyssey. Já na segunda geração, o Atari VCS 2600 foi o sucesso da vez, estabelecendo o padrão para o mercado do seu tempo. Na terceira geração, nenhum outro conseguiu nem ao menos se aproximar do sucesso do NES ou Famicom, com o Master System em um segundo lugar muito distante.
Como acontece em qualquer outro mercado, os fabricantes de consoles de videogame retratam seus produtos destacando suas vantagens frente sua concorrência, concentrando a atenção do público em tecnologias e recursos que seus rivais não possuem. Por exemplo, os fabricantes de consoles no final dos anos 1980 passaram a utilizar a capacidade de processamento de hardware como um dos fatores que diferenciavam uma geração da outra. A NEC, ao lançar seu sistema de 4º geração, o PC Engine ou TurboGrafx-16, durante o ano de 1987, fez questão de enfatizar que o console dispunha de arquitetura 16 bits, enquanto os consoles de 3º geração, contavam com apenas 8 bits. Com isso, seu objetivo era convencer seu público que o produto era superior tecnicamente e melhor que os outros. Esse tipo de marketing agressivo, que focava em denegrir a imagem do hardware concorrente, como pior ou inferior levou jornalistas especializados a usar a expressão "guerra" ou "batalha" para definir a competição travada no mercado de então. Já em agosto de 1988, o produtor Don Daglow utilizou o termo “Guerra dos Cartuchos” para descrever o momento da indústria dos videogames.
Crianças jogando o Nintendo Entertainment System
Durante esse período, houveram também outras fortes marcas de tecnologia, que buscaram se beneficiar do momento de crescimento da indústria dos videogames. No entanto, a disputa travada pelas gigantes Sega e Nintendo são o melhor e mais marcante exemplo de competição pelo domínio do mercado dos videogames. Ambas travaram uma acirrada disputa pelos consumidores de consoles e jogos eletrônicos, buscando lançar produtos que atrairiam a atenção do público, com um marketing agressivo e até mesmo denegrindo a imagem do concorrente. Quem saiu ganhando com isso? Certamente foram os consumidores, que se beneficiaram com os jogos e acessórios cada vez melhores apresentados por Sega, Nintendo, e outras produtoras nos primeiros anos da década de 1990. Mas afinal, como a Nintendo conseguiu chegar ao seu posto de domínio no mercado de consoles de videogame domésticos? E como conseguiu se manter aí por tanto tempo?
A NINTENDO OF AMÉRICA
No início dos anos 1980, a mina de ouro dos videogames havia se tornado tão lucrativa que todo mundo queria uma parte nos seus lucros. Isso incluía companhias que não sabiam nada sobre os jogos eletrônicos. Então, o mercado americano foi inundado por uma enxurrada de obscenidades, lixo e mediocridade. Companhias de hardware faliram, companhias de software foram vendidas a preços baixíssimos e revendedores juraram nunca mais cair no mesmo erro. Mas enquanto toda uma indústria caía, uma companhia chamada Nintendo se mantinha tranquila graças a um fluxo de caixa contínuo. Seu lucro chamava-se Donkey Kong, um grande sucesso dos arcades do início dos anos 80.
Lá no Japão, no final do ano de 1983, logo após o lançamento do Family Computer, Hiroshi Yamauchi começa a exigir de seu genro, o presidente da Nintendo da América - Minoru Arakawa, o lançamento do seu sistema de 8 bits no mercado americano. Inicialmente Arakawa resistiu, pedindo ao sogro mais algum tempo. O mercado americano ainda se recuperava da crise dos videogames, e o lançamento do console na hora errada seria uma receita para o desastre. Então, no início de 1984, sem outras alternativas, ele por fim passou a considerar a ideia. Mas com uma condição: de que o console vendido pela Nintendo of America não se parecesse em nada com o videogame japonês. Afinal, ninguém mais queria saber de videogames nos Estados Unidos. Acreditava-se que o hype dos jogos eletrônicos na américa não fora mais que uma febre passageira.
O singelo Family Computer foi redesenhado. Embora o mecanismo da máquina fosse quase idêntico, o novo AVS ou Advanced Video System quase não lembrava seu parente estrangeiro. Ele acompanhava um teclado de computador, um teclado musical e um gravador de fita cassete; esteticamente, era compacto e elegante, com um cinza claro que contrastava radicalmente com os tons vivos de vermelho e branco do Famicom. O AVS da Nintendo foi exibido pela primeira vez no Winter Consumer Electronics Show de 1984, acompanhado por um folder que trazia as seguintes palavras: "A evolução de uma espécie agora está completa."
Com a abertura do show, Arakawa e sua equipe, composta por Dom James, um dos primeiros contratados da NOA, e Howard Lincoln, vice presidente e braço direito de Arakawa, ocuparam o estande com entusiasmo enquanto Howard Phillips demonstrava os jogos. Phillips era um jovem bastante peculiar. Ele começara na companhia como auxiliar responsável pelo carregamento dos caminhões com os antigos arcades de Radar Scope, mas que agora era mais um testador de jogos. O AVS parecia impressionante, disseram os representantes da Nintendo. Mas quase todos os que passaram pelo estande balançaram a cabeça quando questionados se considerariam fazer um pedido inicial. Das muitas pessoas que passaram pelo estande na feira, uma em especial olhou o AVS de forma diferente. Mesmo com um pé atrás, ele acreditava ter encontrado novamente o futuro dos jogos eletrônicos. Seu nome? Sam Borofsky. Ele administrava a Sam Borofsky Associates, uma firma de representação de vendas e marketing de Manhattan. O propósito básico desse tipo de empresa é servir de intermediária entre fornecedores e revendedores, recebendo uma comissão pelas oportunidades adicionais que cria. E, quando o assunto era fazer isso com eletrônicos voltados para o consumidor final, a Sam Borofsky Associates era uma das melhores no negócio. Afinal, foi ela que, nos anos 70, se tornou uma das primeiras firmas a representar videogames e, no auge do boom, respondeu por mais de 30% das vendas do Atari.
Borofsky ficou feliz em conhecer Arakawa, e lhe apresentar argumentos pelos quais acreditava que o sistema da Nintendo poderia tornar-se um sucesso. Ele passou muitos dias detalhando os erros do Atari, como, por exemplo, a supersaturação, e propondo soluções para esse problema. Sempre, não importa o que aconteça, dizia ele, entregue menos do que foi pedido. Ele traçou alguns planos para um lançamento bem sucedido. Enquanto isso, a Nintendo of America dava uma nova roupagem ao AVS. Percebendo a recusa dos varejistas à ideia de investir seu espaço em um novo sistema de videogame, Arakawa acredita que o que eles precisam é de um “console não console”. Distanciando-o de um sistema de videogame, agora ele seria um centro de diversão para crianças. O resultado do projeto de reformulação da imagem do produto foi impressionante. Agora eles tinham um aparelho cinza mais quadrado, com linhas grossas, parecido com um videocassete. Também foi criado uma nova linguagem para diferenciá-lo dos seus predecessores: as fitas agora seriam chamadas Game Packs, o hardware foi chamado de Control Deck e o console como um todo foi rebatizado de Nintendo Entertainment System. E para completar a renovação, o NES acompanhava dois periféricos revolucionários: um controle em forma de pistola e um robô interativo simpático chamado R.O.B.
Depois de visitas incansáveis aos varejistas, alguns vendedores decidiram apostar na Nintendo e receber um estoque de NES a tempo para as festas de fim de ano em 1984. No início, os pedidos começaram a chegar lentamente. Então, era a hora da prova de fogo final: o lançamento do produto. Se tudo desse certo, o NES teria um lançamento nacional para o fim de 1985. Se não desse certo, a Nintendo of America abandonaria de vez os consoles. A data do lançamento teste se aproximava, e as coisas não pareciam promissoras. Grupos focais que jogaram alguns jogos sugeriram que o NES seria um fracasso colossal. E Para ajudar, o R.O.B. sempre apresentava problemas durante as demonstrações, e sem contar a imprensa, que não tinha interesse algum pela Nintendo. Apesar de tudo, Arakawa estava determinado. Para ele, o NES era a chave para algo grande. Ele transferiu temporariamente alguns funcionários para a Costa Leste depois de alugar um galpão em Hackensack, Nova Jersey, onde pudesse armazenar seu estoque, montar caixas com amostras e, o mais importante, transmitir a aparência de uma companhia legítima para revendedores ainda céticos. Na manhã do grande dia, a equipe da Nintendo of America se reuniu na FAO (efeo) Schwarz em Nova York, onde foi montado uma elaborada vitrine e um atraente espaço com um pequeno número de aparelhos de televisão exibindo imagens dos jogos. A hora da verdade por fim havia chegado, e poucos instantes antes de a loja abrir as portas, um consumidor ansioso aproximou-se da vitrine e pegou não apenas um NES, mas também quinze de seus jogos. A equipe da NOA observava. Parecia um sonho. Mas logo foram trazidos de volta à realidade quando descobriram que o Consumidor nº 1, na verdade, era um concorrente fazendo seu trabalho de pesquisa.
Logo após esse lançamento teste, a proposta da Nintendo era, disse Arakawa, abastecer as lojas e montar displays e vitrines. Ninguém teria que pagar nada durante noventa dias. Depois disso as lojas pagariam à Nintendo pelo que vendessem e poderiam devolver o restante. Era uma oferta que os compradores das lojas não podiam recusar, embora ainda fosse recebida com ceticismo. Então, uma por uma, as empresas concordaram. “É o seu funeral”, disse um comprador ao representante da NOA. Muitos membros da equipe da Nintendo trabalharam dezoito horas por dia, sete dias por semana durante os três meses seguintes.
No Natal de 1985, o NES estava disponível em mais de quinhentas lojas. A equipe de distribuição havia feito um trabalho e tanto. Embora não tenha sido um sucesso estrondoso, foi o início de uma onde que varreria a América. John Sakaley, um renegado selvagem e louco que lutava por todo centímetro de espaço nas lojas como se sua vida dependesse disso, foi o pioneiro do modelo "loja dentro de loja". Ele foi responsável por transformar espaços simples dentro das lojas de brinquedos em algo mágico chamado World of Nintendo, onde amostras interativas fascinantes dos jogos Nintendo poderiam ser jogadas. Sakaley desenvolveu também o Nintendo Fun Center, um quiosque móvel de jogos que se tornou popular entre os pacientes de hospitais infantis.
Nos Estados Unidos, o Mega Drive crescia e recebia excelentes conversões dos arcades. Já a Nintendo continua buscando liderar o mercado com o defasado Nintendinho. Isso seria possível caso o Mega Drive ficasse apenas no Japão. Esse grande erro estratégico da Nintendo, ao pensar que seu console de 8-bits sobreviveria à nova realidade, fez com que o Super Famicom demorasse e chegasse dois anos depois do Mega Drive. Na América, os games de esportes e ação do Gênesis começam a se destacar para um público mais crescido. Enquanto isso no Japão, Kalinske visita as instalações da Sega e conhece os revolucionários aparelhos Mega Drive e a promessa Game Gear, que segundo Nakayama, tinham potencial de virar o mercado. Ele recebe carta branca para fazer do seu jeito, e implantar as estratégias necessárias para fazer do Sega Genesis um verdadeiro sucesso no ocidente. Agora cabe a ele trabalhar junto a sua equipe e traçar os planos a médio e longo prazo para fazer do 16 bits da Sega o mais popular e conhecido console de videogame da américa. Como isso seria feito?
Já em sua nova casa, Tom Kalinske vê a necessidade de fazer muitas mudanças na administração da Sega da América. Depois de gastar algum tempo analisando o mercado juntamente com sua equipe, ele desenvolve uma estratégia que deveria dar o impulso que a Sega precisava, desafiando o domínio da Nintendo na América com quatro decisões importantes: Cortar o preço do Genesis de $ 189 para $ 149 dólares, tornando-o muito mais atrativo às famílias americanas;
Usar de campanhas agressivas de marketing para fazer o Genesis parecer "legal" frente ao NES bem como em comparação ao seu sucessor, o Super Nintendo;
Trabalhar com desenvolvedores terceiros, como a Electronic Arts, para a criação de jogos para o Genesis, que atendessem às preferências americanas, particularmente jogos de simulação e esportes.
Mas o que realmente seria o ponto de virada para a empresa, seria o desenvolvimento e lançamento de um jogo para um novo mascote.
A SEGA começa a compor seu mercado de consoles da nova geração, lutando para estabelecer um nicho com crianças mais velhas - principalmente garotos adolescentes - que formaram as massas do Nintendo original em meados dos anos 1980. Alguns eram até mesmo os esquecidos jogadores da geração Atari de quase uma década antes. Essa era uma geração criada com computadores e videogames, a primeira geração americana que cresceu assim. Seus gostos em jogos haviam se tornado mais sofisticados conforme eles cresceram, e eles tinham, em grande parte, ido além dos títulos simples, seguros e familiares que a Nintendo ainda estava oferecendo. Eles já estavam atraídos pela aparência e potência do Genesis. Nas suas mentes, se quisesse joguinhos de criança, deveria jogar um Nintendo, mas se quisesse um jogo de verdade, jogaria Sega.
O novo sistema da Sega recebeu um grande impulso com a chegada de Strider, da Capcom, um porte perfeito de um jogo de arcade, quase que ignorado quando chegou aos Estados Unidos pela primeira vez. Com excelência na qualidade, Strider faria a Capcom ganhar o importante prêmio Console Game of the Year, ou jogo do ano em 1990. Mais importante, ele ajudou a construir a reputação da Sega com seus fãs, e marcou o começo de um longo relacionamento entre a Capcom e a Sega. O Genesis estava se tornando a imagem de tudo que era legal em um sistema de videogame. O que ainda faltava era um software que confirmasse essa opinião.
No verão de 1990, as vendas do Genesis haviam superado a marca de um milhão na América do Norte. Esse foi o objetivo de vendas de Nakayama para o primeiro ano. No fim do ano, o novo console da Sega havia conseguido mais de US $100 milhões de dólares em vendas. Um lucro modesto, claro, mas era definitivamente um lucro. Mas isso não era suficiente para satisfazer Nakayama, ainda irritado pela Nintendo se agarrar teimosamente à sua participação de 92% no mercado. Foi isso que o levou a demitir Katz em janeiro de 1991, substituindo-o pelo seu amigo de longa data Tom Kalinske. Muitos historiadores dos videogames ainda creditam Katz pelo sucesso no lançamento do Genesis nos Estados Unidos. Um milhão de consoles Genesis parece um número impressionante hoje, até que se considera o fato de que a Nintendo tinha uma base de quase 32 milhões de usuários do NES, 30 para 1. Mas Nakayama estava acostumado a ter as coisas feitas do seu jeito, e não ia deixar nada impedi-lo.
A gigante adormecida havia finalmente acordado, e o mercado dos 16 bits estava sendo tomado por seu arquirrival. Isso levou a Nintendo a entrar imediatamente em ação. O trabalho no console de nova geração da empresa foi terminado e o sistema foi rapidamente colocado no mercado. Shigeru Miyamoto e sua equipe de desenvolvedores prepararam às pressas, em pouco mais de 15 meses, um novo jogo do Mario para ele. A Nintendo do Japão anunciou oficialmente o Super Famicom em outubro de 1990 no Japão. No começo de novembro os pedidos antecipados haviam atingido 1,5 milhão de unidades e a empresa foi forçada a parar de aceitá-los. Em 20 de novembro, um grande número de caminhões foi levado à noite para o depósito principal da Nintendo em Kyoto, rapidamente carregado com consoles e cartuchos, e enviado para pontos de venda selecionados por todo o Japão em um evento conhecido como "Operação Carregamento à Meia-Noite". Apesar dos melhores esforços da Nintendo, simplesmente não havia consoles suficientes para atender à demanda dos clientes. Mais de 30.000 Super Famicoms foram vendidos no dia seguinte, juntamente com cópias dos dois títulos de lançamento do sistema, Super Mario World e F-Zero. Contudo as coisas se acalmaram no fim do ano. No primeiro trimestre de 1991, a Nintendo havia vendido cerca de dois milhões de Super Famicoms no Japão, provando sem sombra de dúvida que o sistema seria tão bem-sucedido quanto seu predecessor.
Com o lançamento japonês do Super Famicom, a Nintendo se preparou para lançar o modelo redesenhado no mercado Norte Americano em 9 de setembro de 1991. A empresa tinha todos os motivos para acreditar que o lançamento ocidental seria um sucesso ainda maior do que no Japão. Sua divisão americana teria um ano inteiro para resolver quaisquer problemas e construir consciência de marca através das campanhas publicitárias usuais. Ela tinha até um slogan para seu novo sistema, jogando o da Sega de volta na sua cara: " " ou “A Nintendo é o que o Mega Drive não é”. Ela estava preparada para fazer o que nenhuma outra empresa da indústria havia feito antes: dominar as vendas por duas gerações seguidas. Era um sucesso garantido, porque a Nintendo ainda dominava o mercado americano. Nada poderia ficar no seu caminho. Nada poderia sair errado.
Será que Nakayama deixaria a Sega ficar imobilizada pela Nintendo novamente? Quais seriam seus planos para destruir a fortaleza da rival no mercado americano mesmo antes que o SNES chegasse? O que a Sega faria para quebrar o monopólio da Nintendo?
O palco estava pronto para uma guerra total. De acordo com Minoru Arakawa, da Nintendo da América, a Sega disparou o primeiro tiro quando desafiou seu direito de "cultivar" o mercado americano. De acordo com Tom Kalinske, da Sega da América, a Nintendo começou a guerra quando dominou o mercado no melhor estilo da yakuza. Seja qual for a razão, seja qual for a causa, as duas empresas estavam agora presas em um abraço mortal, e determinadas a derrubar uma a outra. A Nintendo tinha as vantagens óbvias: alcance, tamanho e força. A Sega tinha a adrenalina de alguém sem nada a perder e a disposição de tentar qualquer tática. Ela tinha tudo que precisava para vencer, exceto duas coisas: Uma mascote corporativa e uma campanha de marketing. Como o Mario, a mascote da Sega deveria ser reconhecida imediatamente, facilmente associada com a empresa, e estrear em um jogo de arrasar. Quanto ao marketing, a Sega teria que criar uma nova campanha publicitária que faria o consumidor médio saber, em poucos segundos, exatamente quem era a Sega, e do que a empresa se tratava. A mascote foi abordada inicialmente na esperança da Sega de matar dois coelhos com uma pedrada, e desenvolver o que ela esperava fosse ser o primeiro jogo arrebatador do console. A campanha de marketing que se seguiria poderia então usar o novo jogo como ponto de partida, e trabalhar a partir daí. Enfim chegara a hora de enfrentar Mario.
Hayao Nakayama era um planejador minucioso. Quando chegou a hora de enfrentar a mascote da Nintendo, ele fez sua equipe analisar tudo sobre o encanador e tentar determinar o que exatamente o fazia funcionar. Ao mesmo tempo em que os primeiros relatórios de vendas nos Estados Unidos começaram a chegar, Nakayama enviou a mensagem para as equipes de P & D da Sega por todo o mundo. Ele queria criar uma mascote e um jogo para competir com o Mario. Suas instruções foram bastante específicas: a nova mascote deveria ser tão reconhecível quanto o Mario, e o mais diferente dele quanto possível. A nova mascote deveria ser um personagem pouco ortodoxo, e o jogo desenvolvido para ele deveria refletir isso. Minoru Kanari comentou:
"Já havíamos criado alguns heróis no Master System, [como] Alex Kidd, Wonderboy ou Shinobi, e era óbvio que esses personagens contribuíram para o sucesso do console. Com a chegada do Mega Drive, parecia importante para nós criar um novo personagem que o público pudesse associar a este console [...]" - Minoru Kanari
Diversas propostas foram enviadas e rejeitadas, com a mais próxima de ser aceita feita por um americano. A proposta do programador Mark Voorsanger era um par de alienígenas chamados Toejam e Earl, que eram muito "maneiros"... … Nakayama gostou da ideia e do jogo mas tinha dois problemas com ela: primeiro, Toejam e Earl eram muito relaxados para o seu gosto. Segundo, eles eram muito americanos. Foi um esforço nobre, mas Nakayama queria uma mascote com apelo mundial. Mesmo rejeitados como mascotes, o par de alienígenas foi considerado atraente o bastante para ter seu próprio jogo… … A solução para o problema de Nakayama ainda estava esperando por ser encontrada. Ele precisava de um Shigeru Miyamoto na sua equipe. Sem saber, a resposta estava dentro do seu time o tempo todo. Uma das equipes de programadores da Sega do Japão - Sega Consumer Department 3, também conhecido como AM8 havia criado um mascote, e um jogo para acompanhá-la. Intrigado, Nakayama entrou em contato com o líder da equipe, Shinobu Toyoda, e pediu para ver a mascote e o homem que seria responsável pelo jogo. Junto com o diretor de projeto Naoto Oshima e o programador chefe Yuji Naka, Toyoda levou seu trabalho para ser revisado por Nakayama. Quando tudo terminou, Nakayama deu sua aprovação. A apresentação foi muito impressionante, e era óbvio para ele que o programador chefe do AM8 era um jovem muito talentoso. Nakayama havia encontrado o que procurava, e a Sega havia encontrado o seu Miyamoto.
Yuji Naka nasceu em 17 de setembro de 1965 na velha cidade provincial de Osaka. Um jovem brilhante e enérgico, ele se viu, quando adolescente, atraído pela música de Riyuchi Sakamoto e sua Yellow Magic Orchestra. Seu amor pela música sintetizada de Sakamoto foi o que o levou à sua atração pelos computadores, e pelos videogames. Naka não só jogou todos os que conseguiu colocar as mãos, mas ele os analisou, tentando entender como funcionavam. Algum tempo depois ele começou a programar os seus próprios jogos. O talentoso jovem poderia escolher entre as melhores faculdades do Japão, mas optou por não se matricular. Mesmo com toda a ênfase japonesa no ensino superior, Naka fez essa decisão ousada para não gastar quatro ou mais anos na universidade quando a revolução dos computadores pessoais estava se desenrolando à sua frente. Em 1983, o recém formado Naka se mudou para Tóquio e se inscreveu para trabalhar na Namco, na época, a mais poderosa indústria de arcades do mundo. Sua falta de diploma universitário prejudicou quaisquer chances que ele poderia ter, e a Namco não lhe ofereceu uma posição. Ele continuou a oferecer seus talentos e em 1984 foi admitido como programador junior na Sega. Os anos 1980 foram difíceis para a Sega - mas Naka aproveitou o máximo que pode. Era um trabalho fixo, e criar videogames era uma das coisas que ele realmente apreciava fazer. Conquistando rapidamente a reputação de perfeccionista, não era incomum ele ser ouvido discutindo com seus colegas sobre algum detalhe de código aparentemente insignificante. "Não só a programação," Naka comentaria anos depois, "tudo... os gráficos, as imagens. Eu sou realmente cuidadoso com tudo".
O primeiro esforço de Naka para a Sega foi Girl 's Garden para o SG-1000, o primeiro console doméstico da empresa. Ao longo dos sete anos seguintes, a excelência de Naka como programador se mostrou em diversos jogos originais e conversões para consoles. Seus créditos durante esse período incluem títulos lendários como OutRun, Space Harrier, e o revolucionário RPG Phantasy Star - considerado o melhor jogo lançado para o Sega Master System. Em 1988, sua equipe estava alocada para começar a desenvolver softwares para o Mega Drive, e novamente Naka fez sua presença como programador ser sentida. Ele foi o responsável por Super Thunder Blade, um port do original dos arcades e um dos dois títulos de lançamento do sistema, e ninguém mais teria sido chamado para desenvolver o primeiro RPG de sucesso do sistema, Phantasy Star 2. Depois desse esforço monumental, ele ajudou na conversão de Dai Makai Mura (Ghouls 'n' Ghosts) da Capcom. Ele também passava muito do seu tempo livre tentando descobrir como fazer cartuchos da Nintendo funcionar no Mega Drive.
Naoto Oshima é um artista e designer de videogames japonês, nascido em 26 de fevereiro de 1964. Já há muitos anos na Sega, Oshima havia trabalhado em jogos de sucesso, como Phantasy Star, Space Harrier 3-D, SpellCaster e Tommy Lasorda Baseball.
Foi entre 1990 e 91 que o AM8 recebeu a diretriz de Nakayama de criar um novo mascote para a empresa e um jogo para acompanhá-lo. O líder Shinobu Toyoda, e sua equipe começaram a trocar ideias. O primeiro personagem que eles criaram, juntamente com Oshima, era uma criatura parecida com um coelho, com orelhas longas e extensíveis que podiam pegar e arremessar objetos nos inimigos, mas isso se mostrou difícil de executar, e o conceito foi abandonado. Certo dia, examinando os esboços, Naka comentou com o colega Oshima que o que eles precisavam era de algo rápido. Oshima ficou intrigado. Então Naka continuou. Anos antes, ele havia concebido um personagem que podia se tornar uma bola e derrubar seus inimigos. Naka falou mais sobre o personagem criado em uma entrevista de 1992 para a Sega Visions:
"No começo, usamos um personagem que parecia um coelho, com orelhas que podiam se estender e pegar objetos. Conforme o jogo foi ficando cada vez mais rápido, precisávamos criar uma característica especial para dar ao nosso personagem algum poder sobre seus inimigos. Eu me lembrei de um que eu criara anos antes, que podia se tornar uma bola e derrubar seus inimigos. Ouriços podem se encolher na forma de uma bola, então decidi mudar de um coelho para um ouriço".
Fiel à sua natureza, o novo personagem evoluiu rapidamente nos dias seguintes. Ele seria azul porque essa era a cor do logotipo da Sega. E, já que uma bola não teria muito impacto visual, e os espinhos não poderiam ser mostrados facilmente em pixels na tela, ele ganhou "cabelo" pontudo. De acordo com Ohshima, o design básico de Sonic foi criado combinando a cabeça de Felix the Cat com o corpo de Mickey Mouse. Ele seria um personagem rápido, e teria tênis de corrida. Esses tênis também serviriam como um bom power-up no jogo que Naka estava começando a programar. Seus sapatos tinham fivelas inspiradas nas botas de Michael Jackson na capa do álbum Bad e no esquema de cores vermelho e branco do Papai Noel, a quem Ohshima via como um personagem famoso. Um dia, Naka fez uma demonstração dos seus esforços mais recentes no novo jogo para seus colegas do AM8. Eles olharam espantados enquanto o veloz ouriço azul corria pela tela. "Sabe, esse ouriço é supersônico", disse um dos membros da equipe. O novo personagem foi originalmente chamado de "Mr. Hedgehog" , mas posteriormente a equipe concordou em chamá-lo Sonic.
A própria aparência do novo personagem transmitia sua atitude. Assim, Naka criou seu novo jogo para mostrar o máximo que pudesse da nova estrela, um protagonista rápido e descarado, que corria por níveis cuidadosamente desenhados. Originalmente concebidos como um power-up, os tênis vermelhos que se mostraram a marca registrada de Sonic logo se tornariam parte essencial do personagem. Ele precisava deles, porque estava quase sempre em movimento. E Sonic não estava limitado a simplesmente correr. Ele poderia usar explosões adicionais de velocidade quando necessário, e era ainda mais rápido quando estava enrolado como uma bola azul espinhosa. Todos os movimentos de Sonic eram detalhadamente animados; a corrida, os saltos, as quedas, os giros, e assim por diante. Sonic tinha uma pose e expressão facial única para cada movimento no seu amplo repertório. Os níveis eram grandes, coloridos e altamente detalhados.
O pessoal da Sega do Japão havia idealizado um personagem que deveria conquistar o público mundial, mas antes de mais nada os americanos, seu maior mercado de interesse. Esse personagem seria, a princípio, um ouriço extremamente radical, com presas afiadas, parte de uma banda de rock pesado e com uma namorada sensual chamada Madonna. O lado norte americano da empresa, ao conhecer o personagem azul achou que o jogo seria promissor, mas ao mesmo tempo achou seu visual um tanto escandaloso. Foi com muita relutância que o novo presidente da Sega, Tom Kalinske, e a gerente de produtos Madeline Schroeder, conseguiram convencer seus idealizadores japoneses a fazer de Sonic um cara mais amigável, em especial para os ocidentais. Com sua experiência na indústria de brinquedos, Kalinske sabia que a linha entre um sucesso e um fracasso era muito tênue, quando se trata de criar um personagem carismático.
Sonic era a resposta da Sega ao Mario, e se ele fosse qualquer coisa menos do que um sucesso total, teria sido fácil para a Nintendo enterrar o Genesis. O destino da empresa estava agora nas mãos do programador Yuji Naka, do artista Naoto Ohshima e de seus colegas no AM8, e ninguém, nem mesmo o próprio Naka, tinha certeza se essa aposta daria frutos. Nakayama estava apostando o sucesso da empresa nos melhores esforços da equipe… mas ele não ia apostar tudo. Sob sua direção, a Sega discretamente acumulou um fundo de contingência de 400 milhões de dólares, para sustentar a empresa durante tempos difíceis caso Sonic não fosse um sucesso, até que novas ideias pudessem ser desenvolvidas. Anos depois, o ex-presidente da Sega da América Michael Katz diria: "Nós achávamos que era bobagem, mas para crédito do jogo, que era tão bom, o personagem Sonic se estabeleceu [...]. O personagem poderia ter sido qualquer coisa, mas era um ouriço, que teria morrido uma morte terrível se o jogo não fosse muito bom".
O diretor da Sega, Fujio Minegishi, tinha conexões com a indústria da música e sugeriu que seu amigo Yūzō Kayama escrevesse a trilha sonora para Sonic. No entanto, o time Sonic não achou que a música de Kayama se encaixasse, e assim contatou Masato Nakamura, baixista e compositor da banda de J-pop Dreams Come True. Nakamura ficou surpreso, mas aceitou, porque foi inspirado pelo desejo da equipe de superar a Nintendo. Ele disse que a parte mais difícil foi trabalhar com o número limitado de sons que podiam tocar simultaneamente: apenas quatro. Contou também que sua falta de conhecimento de música para computadores tornava isso "impossível". Ele escreveu a trilha sonora simultaneamente com o álbum Dreams Come True Million Kisses. Após terminar as composições, elas foram digitalizadas usando um Atari ST e o programa Notator.
Em 19 de outubro de 2011, mais de 20 anos após o lançamento, uma compilação de três discos de músicas de Sonic the Hedgehog e Sonic the Hedgehog 2 foi lançada no Japão. O primeiro disco apresenta faixas originais de ambos os jogos, o segundo contém as gravações demo de Nakamura antes de serem programadas no Genesis, e o terceiro tem músicas de Dreams Come True e seus remixes. Confere só!
O primeiro vislumbre que o público teve da nova mascote da Sega foi em 7 de novembro de 1990. A Dreams Come True, saiu em uma turnê nacional para promover seu segundo álbum, Love Goes On. Nas laterais dos ônibus da turnê e trailers dos equipamentos estava a imagem de um ouriço azul com cabelo espetado. O que o público não sabia era que o compositor da banda, Masato Nakamura, havia contribuído com a música para o novo videogame da Sega. A imagem causou bastante falatório, porque ninguém sabia o que era.
Na cena do entretenimento, a nova mascote foi inicialmente recebida com indiferença. Os jogadores estavam esperando pelo próximo jogo de corrida da Sega. Novembro viu a primeira aparição do seu Rad Mobile, que utilizava a arquitetura de gráficos System32. Mas havia também aquele incomum mascote azul e espinhoso pendurado no para-brisa. Poucos na indústria do entretenimento iriam reconhecer a importância da inclusão desse personagem no lançamento desse jogo popular. Essa foi a primeira aparição do personagem em um videogame.
O jogo em si não seria lançado até o verão do ano seguinte. Nakayama havia confiado o lançamento do jogo ao recém nomeado presidente da Sega da América, Tom Kalinske. Afinal, era nos Estados Unidos que a aposta era mais alta para a Sega. Percebendo imediatamente o que Sonic poderia fazer pela empresa, Kalinske elaborou suas campanhas publicitárias de acordo, com o slogan declarando que o jogo seria "o videogame mais veloz da história". Sonic the Hedgehog entrou correndo na história dos video games em 23 de junho de 1991, estreando nos Estados Unidos antes de voltar para o Japão em 26 de julho. Naka usou o tempo adicional para inserir algumas melhorias gráficas, como nuvens em movimento e efeitos melhores na água.
Mas seria esse o jogo que Nakayama estava procurando? Seria Sonic capaz de levar a companhia japonesa e sua subsidiária americana ao sucesso necessário para enfrentar a Nintendo, e seu novo console, o Super NES? E mais, seria esse o jogo matador que viraria o mercado, fazendo da Sega a nova rainha dos consoles domésticos no mercado mundial? Certamente, o novo mascote projetado pelo AM8 viraria a indústria da 4º geração de pernas para o ar.