Como Foi O Início da Nintendo na América

A indústria de videogames nos Estados Unidos da segunda metade dos anos 70 crescia rapidamente. Contudo para a maioria das pessoas, os videogames, aparelhos que tornam a tv interativa, ainda eram uma novidade. Mas o que era uma tecnologia obscura, apenas para programadores e universitários, aos poucos tornou-se mais popular. Por volta de 1972, um coin-up chamado PONG, dá início a uma série de sucessos de uma recém fundada corporação chamada Atari. Em 1975 seria a vez dos Pongs domésticos virarem febre nas casas norte-americanas. A grande disseminação dos jogos eletrônicos, contudo, se daria mesmo com um novo sistema capaz de executar cartuchos intercambiáveis: o Atari VCS. Mas aquela que se tornou líder de mercado seria também uma das grandes causas para uma brusca quebra na indústria menos de 10 anos depois. Por volta do ano de 1983 ocorreria o grande crash dos videogames, com ruídos de falências e muitas perdas.

Esse naufrágio no mercado dos videogames se deu por vários fatores. Entre eles estão o excesso de títulos lançados. Jogos genéricos e ruins infestaram o mercado e ocasionaram uma desconfiança generalizada que se espalhou pelo público consumidor. Some-se a isso o crescente apelo e popularidade dos computadores pessoais como plataforma superior para jogos eletrônicos. Esse crash na indústria dos videogames deixou marcas profundas, com grandes prejuízos para as produtoras de hardware e software e estoques encalhados nas lojas, fazendo-se sentir até mesmo nos Arcades.

No Japão a história foi outra. Por lá a quebra da indústria americana não foi sentida. Em 1983 a Nintendo e a Sega lançaram seus sistemas de 3º geração. O Nintendo Family Computer, ou Famicom, como ficou conhecido, foi lançado no Japão em 15 de julho deste ano. O hardware do Famicom chegou às lojas com uma falha técnica que provocava mau funcionamento com uso de certos cartuchos. A empresa rapidamente se esforçou para corrigir o problema, recolhendo os aparelhos defeituosos. Com esse problema resolvido, o 8 bits começa a cair no gosto dos japoneses. O sucesso foi tamanho, que no final de 1984 o Famicom já era o console mais vendido no Japão, engordando a receita anual da companhia. Com isso, o presidente da Nintendo do Japão, Hiroshi Yamauchi, faz planos para lançar seu novo aparelho na terra das oportunidades, o grande mercado Norte Americano. Yamauchi acreditava que ambos os mercados tinham certas semelhanças, e se o Famicom ia tão bem no oriente, porque não se daria o mesmo no ocidente?

Mas o que a Nintendo faria para entrar no maior mercado do mundo e não cometer os mesmos erros da geração anterior? 

Panfleto de divulgação Nintendo anos 1980

Divulgação Nintendo anos 1980

No início dos anos 1980, a mina de ouro dos videogames havia se tornado tão lucrativa que todo mundo queria uma parte nos seus lucros. Isso incluía companhias que não sabiam nada sobre os jogos eletrônicos. Então, o mercado americano foi inundado por uma enxurrada de obscenidades, lixo e mediocridade. Companhias de hardware faliram, companhias de software foram vendidas a preços baixíssimos e revendedores juraram nunca mais cair no mesmo erro. Mas enquanto toda uma indústria caía, uma companhia chamada Nintendo se mantinha tranquila graças a um fluxo de caixa contínuo. Seu lucro chamava-se Donkey Kong, um grande sucesso dos arcades do início dos anos 80. 

Lá no Japão, no final do ano de 1983, logo após o lançamento do Family Computer, Hiroshi Yamauchi começa a exigir de seu genro, o presidente da Nintendo da América - Minoru Arakawa, o lançamento do seu sistema de 8 bits no mercado americano. Inicialmente Arakawa resistiu, pedindo ao sogro mais algum tempo. O mercado americano ainda se recuperava da crise dos videogames, e o lançamento do console na hora errada seria uma receita para o desastre. Então, no início de 1984, sem outras alternativas, ele por fim passou a considerar a ideia. Mas com uma condição: de que o console vendido pela Nintendo of America não se parecesse em nada com o videogame japonês. Afinal, ninguém mais queria saber de videogames nos Estados Unidos. Acreditava-se que o hype dos jogos eletrônicos na américa não fora mais que uma febre passageira.

O singelo Family Computer foi redesenhado. Embora o mecanismo da máquina fosse quase idêntico, o novo AVS ou Advanced Video System quase não lembrava seu parente estrangeiro. Ele acompanhava um teclado de computador, um teclado musical e um gravador de fita cassete; esteticamente, era compacto e elegante, com um cinza claro que contrastava radicalmente com os tons vivos de vermelho e branco do Famicom. O AVS da Nintendo foi exibido pela primeira vez no Winter Consumer Electronics Show de 1984, acompanhado por um folder que trazia as seguintes palavras: "A evolução de uma espécie agora está completa."

Com a abertura do show, Arakawa e sua equipe, composta por Dom James, um dos primeiros contratados da NOA, e Howard Lincoln, vice presidente e braço direito de Arakawa, ocuparam o estande com entusiasmo enquanto Howard Phillips demonstrava os jogos. Phillips era um jovem bastante peculiar. Ele começara na companhia como auxiliar responsável pelo carregamento dos caminhões com os antigos arcades de Radar Scope, mas que agora era mais um testador de jogos. O AVS parecia impressionante, disseram os representantes da Nintendo. Mas quase todos os que passaram pelo estande balançaram a cabeça quando questionados se considerariam fazer um pedido inicial. Das muitas pessoas que passaram pelo estande na feira, uma em especial olhou o AVS de forma diferente. Mesmo com um pé atrás, ele acreditava ter encontrado novamente o futuro dos jogos eletrônicos. Seu nome? Sam Borofsky. Ele administrava a Sam Borofsky Associates, uma firma de representação de vendas e marketing de Manhattan. O propósito básico desse tipo de empresa é servir de intermediária entre fornecedores e revendedores, recebendo uma comissão pelas oportunidades adicionais que cria. E, quando o assunto era fazer isso com eletrônicos voltados para o consumidor final, a Sam Borofsky Associates era uma das melhores no negócio. Afinal, foi ela que, nos anos 70, se tornou uma das primeiras firmas a representar videogames e, no auge do boom, respondeu por mais de 30% das vendas do Atari. 

Borofsky ficou feliz em conhecer Arakawa, e lhe apresentar argumentos pelos quais acreditava que o sistema da Nintendo poderia tornar-se um sucesso. Ele passou muitos dias detalhando os erros do Atari, como, por exemplo, a supersaturação, e propondo soluções para esse problema. Sempre, não importa o que aconteça, dizia ele, entregue menos do que foi pedido. Ele traçou alguns planos para um lançamento bem sucedido. Enquanto isso, a Nintendo of America dava uma nova roupagem ao AVS. Percebendo a recusa dos varejistas à ideia de investir seu espaço em um novo sistema de videogame, Arakawa acredita que o que eles precisam é de um “console não console”. Distanciando-o de um sistema de videogame, agora ele seria um centro de diversão para crianças. O resultado do projeto de reformulação da imagem do produto foi impressionante. Agora eles tinham um aparelho cinza mais quadrado, com linhas grossas, parecido com um videocassete. Também foi criado uma nova linguagem para diferenciá-lo dos seus predecessores: as fitas agora seriam chamadas Game Packs, o hardware foi chamado de Control Deck e o console como um todo foi rebatizado de Nintendo Entertainment System. E para completar a renovação, o NES acompanhava dois periféricos revolucionários: um controle em forma de pistola e um robô interativo simpático chamado R.O.B.

Depois de visitas incansáveis aos varejistas, alguns vendedores decidiram apostar na Nintendo e receber um estoque de NES a tempo para as festas de fim de ano em 1984. No início, os pedidos começaram a chegar lentamente. Então, era a hora da prova de fogo final: o lançamento do produto. Se tudo desse certo, o NES teria um lançamento nacional para o fim de 1985. Se não desse certo, a Nintendo of America abandonaria de vez os consoles. A data do lançamento teste se aproximava, e as coisas não pareciam promissoras. Grupos focais que jogaram alguns jogos sugeriram que o NES seria um fracasso colossal. E Para ajudar, o R.O.B. sempre apresentava problemas durante as demonstrações, e sem contar a imprensa, que não tinha interesse algum pela Nintendo. Apesar de tudo, Arakawa estava determinado. Para ele, o NES era a chave para algo grande. Ele transferiu temporariamente alguns funcionários para a Costa Leste depois de alugar um galpão em Hackensack, Nova Jersey, onde pudesse armazenar seu estoque, montar caixas com amostras e, o mais importante, transmitir a aparência de uma companhia legítima para revendedores ainda céticos. Na manhã do grande dia, a equipe da Nintendo of America se reuniu na FAO (efeo) Schwarz em Nova York, onde foi montado uma elaborada vitrine e um atraente espaço com um pequeno número de aparelhos de televisão exibindo imagens dos jogos. A hora da verdade por fim havia chegado, e poucos instantes antes de a loja abrir as portas, um consumidor ansioso aproximou-se da vitrine e pegou não apenas um NES, mas também quinze de seus jogos. A equipe da NOA observava. Parecia um sonho. Mas logo foram trazidos de volta à realidade quando descobriram que o Consumidor nº 1, na verdade, era um concorrente fazendo seu trabalho de pesquisa.

Logo após esse lançamento teste, a proposta da Nintendo era, disse Arakawa, abastecer as lojas e montar displays e vitrines. Ninguém teria que pagar nada durante noventa dias. Depois disso as lojas pagariam à Nintendo pelo que vendessem e poderiam devolver o restante. Era uma oferta que os compradores das lojas não podiam recusar, embora ainda fosse recebida com ceticismo. Então, uma por uma, as empresas concordaram. “É o seu funeral”, disse um comprador ao representante da NOA. Muitos membros da equipe da Nintendo trabalharam dezoito horas por dia, sete dias por semana durante os três meses seguintes.

No Natal de 1985, o NES estava disponível em mais de quinhentas lojas. A equipe de distribuição havia feito um trabalho e tanto. Embora não tenha sido um sucesso estrondoso, foi o início de uma onde que varreria a América. John Sakaley, um renegado selvagem e louco que lutava por todo centímetro de espaço nas lojas como se sua vida dependesse disso, foi o pioneiro do modelo "loja dentro de loja". Ele foi responsável por transformar espaços simples dentro das lojas de brinquedos em algo mágico chamado World of Nintendo, onde amostras interativas fascinantes dos jogos Nintendo poderiam ser jogadas. Sakaley desenvolveu também o Nintendo Fun Center, um quiosque móvel de jogos que se tornou popular entre os pacientes de hospitais infantis.

Selo de Qualidade Nintendo

Selo de Qualidade Nintendo

A abordagem de vendas e marketing da NOA combinou-se à filosofia de Arakawa de priorizar a qualidade em detrimento da quantidade. Enquanto a Nintendo explodia nos anos seguintes, havia muitas oportunidades de fazer dinheiro rápido com atualizações de hardware e periféricos desnecessários. Mas Arakawa não estava interessado em nada disso. Sua motivação não era ganhar dinheiro a curto prazo, mas a longo prazo. O que o motivava era o desejo de continuar dando aos usuários uma experiência única e impecável. E, para proteger ainda mais a Nintendo dos riscos da impureza, ele e sua equipe lançaram mão de uma série de medidas controversas. Vamos ver algumas delas.

1. Selo de Garantia Nintendo: Ron Judy, um dos primeiros associados de Arakawa, tivera a ideia inovadora de submeter todos os jogos a uma série rigorosa de testes que diria se eles são ou não dignos da Nintendo. Isso garantiria produtos de excelência, evitando jogos de baixa qualidade.

2. Programa de licenciamento para terceiros: Um rígido contrato de licenciamento permitiria que desenvolvedores de software fizessem jogos para NES, mas limitava a quantidade para cinco títulos por ano, exigia o pagamento completo adiantado e cobrava por volta de 10% em direitos autorais. Além desses termos rigorosos, todos os produtores de jogos precisavam comprar cartuchos diretamente da Nintendo. Isso garantia uma qualidade única, e permitia que a NOA ditasse o preço, o prazo e a alocação da produção. Uma tática muito controversa, mas que funcionou.

3. Administração do estoque: Era uma estratégia de distribuição muito rígida, cujo propósito era fornecer às autorizadas e aos revendedores apenas uma fração dos produtos pedidos. Tal técnica tinha dois objetivos: criar um frenesi por quaisquer produtos que estivessem disponíveis e proteger a indústria de si mesma.

Embora os métodos da NOA tenham provocado a ira dos revendedores e desenvolvedores de software, além de acusações de cartel por parte do governo americano, não havia como negar que fosse lá o que a Nintendo estivesse fazendo estava funcionando.

Munido de ótimos jogos da própria Nintendo, e de conversões de sucessos dos arcades como Kung Fu Master, da Irem, e o lendário Super Mario Bros, o NES não demora a virar sucesso nos Estados Unidos. Entre seus jogos de lançamento no ocidente, os famosos jogos da caixa preta, estavam:

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